domingo, 16 de junho de 2013

E o povo negou Dilma três vezes no Mané Garrincha! O que isso quer e não quer dizer


Neste sábado, antes do jogo, perto de 500 pessoas tentaram protestar contra o uso de dinheiro público na Copa do Mundo. Diziam que ele deveria ser direcionado para saúde e educação. Era uma manifestação pacífica, sem armas, sem lança-chamas, sem coquetéis molotov. Mesmo assim, a Polícia Militar do Distrito Federal, governado pelo PT, desceu o sarrafo na turma. Até quando escrevo, a OAB não deu um pio, o José Eduardo Cardozo não deu um pio. As sedizentes organizações de defesa dos direitos humanos não deram um pio. Quando o PT bate em alguém, certamente é por bons motivos, certo? Os que se manifestavam também expressaram seu apoio ao movimento contra a elevação de tarifas de ônibus Brasil afora. Dentro do estádio, o povo — ao menos aquele que foi ver o jogo entre as seleções do Brasil e do Japão — vaiou Dilma três vezes. É grande a tentação para juntar mal-estares “diferentes e combinados”, como diria o companheiro Trotsky, num único movimento. Se caímos nessa tentação, acabamos por obscurecer a realidade. Então tentarei fazer as distinções.




Publicado na coluna do Reinaldo Azevedo, revista VEJA, original aqui.




Começo pelas vaias a Dilma. É claro que existe um grande eleitorado que se opõe ao governo. O que tem faltado nesses 10 anos é oposição. Pirandello cuidou das seis personagens em busca de um autor. No Brasil, há milhões de eleitores em busca de quem os represente com clareza. E não encontram. As forças políticas que não aderiram ao governismo têm se mostrado tímidas; uma parcela, eleita para se opor, traiu o eleitor e se bandeou para o poder. O eleitorado que disse “não” ao PT tem motivos de sobra para se sentir pouco representado. Mas seu descontentamento continua.

Cumpre lembrar alguns números. Em 2010, havia 135,8 milhões de eleitores no país. No segundo turno, Dilma foi eleita com 55.752.529 votos, contra 43.711.388 do tucano José Serra. Percebam: apenas 41% dos brasileiros aptos a votar a escolheram. Os outros 59% preferiram a oposição, a abstenção ou o voto branco ou nulo. No primeiro turno, a petista obteve 47.651.434 votos. Ou por outra: apenas 35% do eleitorado a tinham como primeira opção. É claro que Dilma é uma presidente legítima, escolhida segundo as regras do jogo. Mas dava para perceber de saída que estava longe de constituir uma unanimidade. A política é que deveria ter se encarregado de manter mais ou menos mobilizada uma fatia que fosse daqueles que ativamente disseram “não” à candidata do PT. Isso não aconteceu, como sabemos.

É bobagem supor que o estádio inteiro vaiou Dilma e que não havia lá pessoas que apoiam o governo. É até possível que, fosse aquele o colégio eleitoral, ela ainda se sagrasse vitoriosa. Impossível saber. Uma coisa, no entanto, é certa: os que a reprovam — ou, ao menos, repudiam a exploração política de um evento esportivo — estavam lá em número suficiente para se fazer ouvir. Com certeza absoluta, a porcentagem de eleitores de oposição no Mané Garrincha é bem superior à de oposicionistas no Congresso. Pode-se inferir mais: a porcentagem de eleitores de oposição no Brasil como um todo é certamente maior do que a de parlamentares oposicionistas. Afinal, estamos lidando com um dado da história: pessoas eleitas para se opor acabaram virando casaca.

Por que estão descontentes? Há uma penca de razões: inflação, corrupção, ineficiência, restrições de natureza ideológica, que são legítimas, sei lá eu… 

Agora os protestos

A vaia no estádio nos lembra que existem, sim, eleitores de oposição no país. E cumpre que não misturemos o descontentamento desse cidadão pacífico, pagador de impostos, trabalhador dedicado, com algumas manifestações de rua, degenerem ou não em violência. O movimento contra os gastos na Copa mistura algumas palavras de ordem que estão hoje na boca de partidos à esquerda do PT com outras que poderiam ser encampadas por pessoas comuns, orientadas apenas pela vergonha na cara: contra a roubalheira, por mais transparência etc. Mas o sotaque, é inequívoco, o coloca naquele tronco ideológico da cultura da reclamação, que acaba, no fim das contas, servindo à esquerda. Notem que o repúdio de muitos a Dilma não os impediu de assistir ao jogo. Ou por outra: o movimento que protesta contra os gastos com a Copa do Mundo não resultará, necessariamente, numa corrente de oposição à Dilma.

E o mesmo se diga sobre os baderneiros de classe média que decidiram botar fogo em algumas cidades brasileiras. O Movimento Passe Livre e partidecos de esquerda que lideram essa pantomima violenta podem até considerar adversários os petistas, mas, ATENÇÃO!, TRATA-SE DE DIVERGÊNCIAS no campo dito “progressista”. Num eventual segundo turno entre Dilma e um “candidato da direita” (como eles dizem lá em sua linguagem perturbada), já sabemos como se comportam os radicais: acabam voltando momentaneamente para a nave-mãe, o PT. Os que hoje pedem a redução da tarifa de ônibus em São Paulo — ou a sua gratuidade — exigem um partido mais radical, mais à esquerda, mais comprometido com o que chamam “lutas populares”.

Esses militantes não se misturam com aqueles eleitores de oposição que, percebam, são de oposição justamente porque repudiam parte da agenda petista. À diferença dos incendiários que estão nas ruas, o Brasil oposicionista (o do estádio, não necessariamente o do Congresso) quer mais ordem, não menos; quer mais respeito às leis, não menos; quer indivíduos mais independentes, não menos. Essas agendas não se misturam. Dado o ponto de vista que adoto, que é o de um liberal, as vaias no estádio e a luta pelo “passe livre” são manifestações que estão em polos distintos, antagônicos mesmo. As vaias traduzem um anseio, entendo, de “despetização” do país. O Passe Livre está aí a cobrar que o petismo seja ainda mais…petista!


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