Marolinha vermelha: A um oceano
de distância dos idos de junho, o Dia Nacional de Lutas foi o retrato acabado
desse definhamento. A CUT, a Força Sindical, outras centrais e os partidos
políticos de esquerda foram malsucedidos na tentativa de pegar carona da onda
de protestos que sacudiu o país. Houve, sim, muita atrapalhação nas estradas,
ocupação em porto, escaramuças, dificuldades aqui e ali, mas nada nem
remotamente parecido com os protestos havidos no mês passado.
Notaram alguma diferença??? Difícil, né mesmo??? |
‘A irrelevância das
centrais’
Publicado no editorial do Estadão deste sábado, aqui.
As centrais sindicais brasileiras
só reúnem multidões no Primeiro de Maio – atraídas não exatamente pela data
histórica, mas pelos shows e sorteios que promovem, por exemplo, na Praça Campo
de Bagatelle, na zona norte de São Paulo. Já anteontem, na Avenida Paulista, as
entidades que organizaram o Dia Nacional de Lutas, tentando pegar carona nas
jornadas espontâneas de protesto que tomaram conta do País em junho, não
conseguiram reunir nem 10 mil pessoas. Das nove associações que as
arrebanharam, pelo menos duas, a Força Sindical e a União Geral dos
Trabalhadores (UGT), contrataram “manifestantes” a R$ 50 e R$ 70 por cabeça.
Contrastando com a profusão de
faixas, balões, bandeiras, camisetas, bonés e fitas, tudo confeccionado em
escala industrial pelas centrais que devem a sua prosperidade exclusivamente à
aberração do Imposto Sindical – o dia de salário por ano compulsoriamente
recolhido de todos quantos tenham carteira assinada -, o clima era de apatia.
“Uma representante da CUT desfilou durante algum tempo diante do carro de som
com um rolo de bandeiras debaixo do braço, procurando militantes para
empunhá-las”, relatou um repórter deste jornal. “Não encontrou.”
O que era para ser uma
quinta-feira difícil na maior metrópole brasileira acabou sendo um domingo extra.
Inumeráveis empresas, temendo o pior, dispensaram seus empregados. Ônibus e
metrô circulavam com poucos passageiros. Na cidade conhecida mundo afora por
seu trânsito engarrafado, o congestionamento mal passava dos 10 quilômetros.
Realizados em 68 cidades, incluindo todas as capitais e o Distrito Federal, os
protestos foram maiores ali onde o transporte público deixou de funcionar, a
exemplo de Belo Horizonte e Vitória. Mas, tudo somado, apenas umas 100 mil
pessoas participaram das passeatas.
O Brasil dos carros de som, da
discurseira sem fim da caciquia das centrais – essas “entidades burocratas”,
como bem as qualificou Mayara Vivian, uma das ativistas do Movimento Passe
Livre (MPL) que entrou para a história por ter dado a partida às recentes megamanifestações
– é um Brasil em marcha batida para a irrelevância. A afiliação a sindicatos
ainda é relativamente expressiva entre nós, mas a tendência é de declínio. Em
2011, último ano para o qual há dados disponíveis, a taxa de sindicalização era
de 17,2% do total da população ocupada, ante 18,6% no ano de pico de 2006, a
contar da década de 1990. E isso considerando o aumento do nível de emprego
regular, a expansão do setor de serviços e da sindicalização do funcionalismo.
O sindicalismo no Brasil – em
especial o que se pode chamar “sindicalismo de rua”, por sua capacidade de
arregimentar – é uma caricatura do que foi outrora o poder sindical em países
como França, Espanha, Itália, Grã-Bretanha e mesmo nos Estados Unidos (onde, de
um recorde de 35% de sindicalizados nos anos 1950, o índice atual é 1/5 disso).
Na Europa, a CGT e seus similares, como o TUC britânico, mobilizavam legiões e
influíam como nenhuma outra força nos partidos de esquerda. Aqui, ao revés, as
centrais ou são criaturas de agremiações políticas, como a CUT em relação ao
PT, ou trampolim para carreiras políticas, como a do notório Paulo Pereira da
Silva, o Paulinho da Força, ex-PTB, hoje no PDT e com planos de ter um partido
para chamar de seu, o Solidariedade.
Do pelegato da era Vargas ao sindicalismo
de resultados, aplica-se às organizações que falam em nome dos assalariados, de
resto compelidos por lei a sustentá-las, o que o antropólogo Claude
Lévi-Strauss dizia, em outro contexto, sobre a “obsolescência do inacabado”.
Quando Lula, o metalúrgico, irrompeu na cena nacional, defendendo a formação de
associações de classe que não fossem correias de transmissão dos governantes de
turno, parecia que uma página verdadeiramente nova começava a ser escrita numa
história pouco edificante. Lula, o presidente, alojou na máquina estatal os
condutores da máquina sindical ligada ao PT. O aparelhamento era o que faltava
para envelhecer o sindicalismo brasileiro sem que tivesse passado pela
maturidade.
Marolinha Vermelha
A "marolinha vermelha" não assustou nem este frágil bebê, no colo da mãe! |
Em junho a Folha publicou o
seguinte sobre a Onda Vermelha:
O presidente do PT, Rui Falcão,
retirou nesta quinta-feira (20) do Twitter a mensagem com a hashtag
"#OndaVermelha", em que chamava seus leitores para se juntar aos
protestos pelo país. Seu site, porém, à noite ainda mostrava mensagens com
referência à hashtag. No ato na avenida Paulista, em São Paulo, houve confusão
entre membros de partidos e militantes que se autodenominavam
"nacionalistas". Depois da briga, os petistas presentes acabaram se
retirando da manifestação.
Ontem (sexta) o Globo informou
que “O presidente nacional do PT, Rui Falcão, minimizou nesta sexta-feira
a baixa participação de petistas nas manifestações convocadas pelas centrais
sindicais em São Paulo, atribuindo a ausência à indisponibilidade de militantes
para participar, apesar da convocação feita pelo partido.
— A militância participa no
limite da sua disponibilidade. Tem muita gente que, felizmente, está empregada
agora depois de 10 anos do governo Lula. (A manifestação) Foi durante a semana,
não era feriado, boa parte da nossa militância está empregada — ironizou o
dirigente, que admitiu não ter ido ao ato para “não se expor”, por sugestão dos
próprios sindicalistas.
Nesta sexta-feira, petistas
históricos e simpatizantes lamentaram a discreta participação nos atos em São
Paulo, berço do partido e espaço de constante participação da sigla no passado.
O sociólogo Chico de Oliveira,
fundador do PT, acredita que a ausência mostra como o partido “se burocratizou
e se transformou em máquina eleitoral e política, no lugar de partido da
transformação”.” (O Globo).
O Micaço de Julho
Militontos de Aluguel: "Comunistas... financiando o Capitalismo Selvagem!!!" |
Micou de maneira retumbante o tal
Dia Nacional de Lutas, mas: ATENÇÃO, LEITOR! Se eu fosse um desses “cientistas
sociais” que têm medo dos seus alunos e gostam de posar de moderninhos – aquela
gente, sabe?, que agora deu para falar em “crise da democracia representativa”
–, estaria achando lindo o que aconteceu. Mas eu não acho, não. Na verdade, o
evento desta quinta jogou ainda mais luzes sobre os havidos no mês passado e só
reforçaram alguns temores que eu tinha. O que significa o micão desta quinta,
em contraste com aquele milhão e meio de dias atrás? Significa que reivindicar
o inexequível é bem mais gostoso, o que nos remete a um dos lemas de Maio de
1968, na França: “Seja realista, peça o impossível”.
O evento também expõe uma
das forças e, ao mesmo tempo, das maiores fragilidades da “onda de protestos”
no Brasil: a composição social de quem vai ou foi às ruas. O primeiro passo
para responder de forma eficiente à realidade e admiti-la: os pobres, com raras
exceções, preferiram, até agora, ficar em casa.
Assim, entendam direito o meu
ponto: não lamento o fato de o protesto desta quinta ter sido malsucedido
porque gostaria de ver a CUT, a Força e até os petistas a liderar a massa… Eu
não! Deus me livre! Lastimo é que a pobreza de liderança política no Brasil se
reflita também nos sindicatos e que estejamos sem o fio que possa desatar o nó.
Vamos lá.
Milhões de trabalhadores poderiam ter ocupado as praças para cobrar
redução na jornada de trabalho, certo? É uma reivindicação muito mais, como
direi? palpável do que os tais 20 centavos. Mas aí alguém se lembrou de
gritar: “Não é pelos 20 centavos”. E estava dada a deixa para uma mobilização
que tem, sim, âncoras no mundo real – corrupção dos políticos,
ineficiência do serviço público, gastança de dinheiro –, mas que se expressa
numa espécie de bolha de sensações e de emoções.
Para voltar a Maio de 1968, o
que conta é fazer as barricadas do desejo. A utopia é a da ausência de estado,
assuma isso a forma violenta (os baderneiros) ou pacífica (uma coisa, assim,
“faça amor, não faça a guerra”).
Cobrar redução da jornada e fim
do fator previdenciário, olhem que coisa!, parece apequenar o movimento e a
razão por que se vai às ruas; é, como diriam os adolescentes hoje em dia (de
maneira irritante), “tipo assim” coisa de pobre, de um pragmatismo incompatível
com o sonho e com as evocações românticas. Os “sonháticos” querem um outro
mundo possível… Não! Na verdade, pretendem um outro mundo… impossível. Nele,
não só os políticos não roubam como, a rigor, não há políticos nem política.
É claro que eu poderia lembrar
àqueles valentes cientistas sociais que têm medo de contrariar os alunos que
também as manifestações de junho levaram às ruas as… minorias!, ainda que
tenham mobilizado, sei lá, 20 ou 30 vezes mais gente do que a desta
quinta-feira. Huuummm… Então vamos ver: líderes que efetivamente representam
grupos e com os quais se podem fazer acordos mobilizam meia dúzia de
gatos-pingados; não líderes – e que, portanto, não lideram, mas alçados
pela imprensa à condição de estrelas da não representação – conseguem
criar eventos que reúnem alguns milhares. Muito bem! O que se vai negociar com
eles? Chamem a Mayara Vivian e os coxinhas radicais do Passe Livre…
Há quem se deixe cair de encantos
por um paradoxo cuja graça, havendo alguma, é não mais do que literária – e
literatura meio velha, da década de 60: a “juventude” (ah, os tarados pela
juventude…) que está nas ruas tem força, mas não sabe o que quer, e os que
sabem o que querem já não têm força. Mas onde está a virtude desse troço? Se
isso produzir algo, tenho minhas dúvidas, será, no máximo, um impasse. Para o
qual ninguém tem resposta.
Dilma está encalacrada? Está,
sim, de dois modos distintos: há o impasse de fundo, que diz respeito ao
esgotamento do modelo lulo-petista, do qual, vamos ser francos, até havia
pouco, a esmagadora maioria da imprensa não havia se dado conta. Ou havia?
Leiam os jornais de há dois ou três meses. Com ou sem “povo” na rua, o país ia
mal das pernas. E agora ela enfrenta o descontentamento com “tudo isso que está
aí”. Ocorre que esse “tudo isso” pode se voltar contra qualquer um; ele é
dirigido, na verdade, contra o governante de turno. E não consegue se
transformar numa agenda.
Essa conversa mole da “sociedade
horizontal”, sem hierarquia de valores, sem eixo e sem centro, sinto muito, é
conversa de bêbados. É divertido e coisa e tal, mas sempre chega a hora de
pagar a conta e de voltar para casa – sem contar a ressaca… Não vai a lugar
nenhum e ainda pode produzir alguns desastres. Boa parte do que o Congresso
votou até agora, emparedado pelas ruas, se querem saber, não é coisa boa e
tende a ter efeitos deletérios. Na esfera econômica, o país vive um
congelamento branco de tarifas públicas que pode ter efeitos desastrosos.
Ensaia-se facilitação de mecanismos de democracia direta que, se efetivados,
tornarão a democracia brasileira refém de minorias organizadas e barulhentas.
Caminhando para a conclusão
Sim, as centrais sindicais e os
partidos quebraram a cara ao tentar, de maneira oportunista, pegar carona no
movimento das ruas. Tiveram uma lição e tanto. Mas isso só nos diz o tamanho do
impasse e os riscos que estão por aí. Não há nada de belo ou de bom numa
sociedade sem interlocutores considerados confiáveis para articular o futuro.
Vivemos, nesses dias, sob uma espécie de ditadura do presente.
Pode dar em quê? No quadro atual,
há, sim, o risco de eleger em 2014 alguém que fale em nome da “não política”, e
aí saberemos o que é crise! Mas o mais provável é que se tenha mesmo uma saída
“conservadora” – no caso, conservadora do statu quo; vale dizer: a
continuidade do petismo. E isso seria igualmente desastroso.
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